Petroleiros já barraram maioria das vendas de ativos da Petrobras

Advogada Raquel Sousa é autora de 90% das ações contra o desmanche da estatal e conseguiu impedir 60% da privatização pretendida.

Publicado na Carta Capital.

Em março de 2015, o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine – condenado dois meses atrás a 11 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro – ampliou o plano de desinvestimento elaborado por sua antecessora, Graça Foster.

Originalmente projetado para render entre 5 bilhões e 11 bilhões de dólares no período de 2014 a 2018, Bendine o transformou em uma venda acelerada de ativos no valor total de 13,7 bilhões em apenas dois anos.

A meta foi ampliada mais tarde para 21 bilhões, resultado do empenho tanto do ex-presidente Pedro Parente quanto do atual presidente, Ivan Monteiro.

Quase um ano e meio depois, persistia a passividade generalizada diante da escalada de venda às pressas e por preços baixos de campos de petróleo, subsidiárias, redes de dutos e polos petroquímicos, entre outros bens, uma operação radical a ponto de desfigurar a nossa maior empresa e destroçar a cadeia produtiva de óleo e gás no País.

A reação demorou, mas aconteceu em meados de 2016, com a participação que se mostraria importante da Federação Nacional dos Petroleiros e sindicatos da categoria, diz Adaedson Costa, coordenador-geral da FNP.

Ele conta que quando o governo anterior começou o plano de desinvestimento que seria acelerado depois do golpe, procuraram parlamentares que batalham em prol da soberania do País, destacando-se aí integrantes do PT e do PSOL, e fizeram também algumas mobilizações com os petroleiros.

“Só que não conseguíamos ter muita voz nem houve grande avanço. Foi quando decidimos reunir a Frente Nacional dos Petroleiros e seus advogados para realizar alguns debates. A advogada do Sindicato dos Petroleiros de Alagoas e Sergipe, Raquel Sousa, abraçou a causa e começamos a ingressar com ações na Justiça”.

O primeiro passo da advogada de 43 anos, mãe de dois filhos, foi enviar, em agosto de 2016, por meio da Federação Nacional dos Petroleiros, um ofício à Petrobras solicitando a relação dos ativos que estavam sendo vendidos e cópias dos editais de licitação.

“Para minha surpresa, responderam que os editais não existiam, ou seja, as vendas estavam sendo realizadas sem licitação”, rememora Raquel Sousa. A retrospectiva da bacharel em História e Direito, formada pela Universidade Estadual Paulista, contém vários requisitos importantes para a missão que estava prestes a iniciar, inclusive um perfil de engajamento inequívoco na política e em causas sociais.

Ex-dirigente de grêmio estudantil, do Centro Acadêmico do Diretório Central dos Estudantes da Unesp e da executiva da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, não é filiada a nenhum partido, define-se como militante dos movimentos populares e simpatiza com o PSOL. Antes de Direito cursou Letras na USP, mas não concluiu.

Depois fez bacharelado e licenciatura em História, iniciou mestrado nessa área e no mesmo período lecionou na rede pública de ensino. Desistiu do mestrado e optou por ingressar no curso de Direito.

Durante a graduação, estagiou na Domingues Advogados Associados, de Campinas, que assessorava o Sindicato dos Metalúrgicos da região. Concluída a graduação, abraçou a advocacia sindical, à qual se dedica há 11 anos. Além dos serviços jurídicos prestados à FNP e a sindicatos de petroleiros, assessora desde o mês passado a Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet).

Mais do que um complemento, a formação ampla em Humanidades dá o sentido da sua ação a partir de um cardápio de autores prediletos que vai dos obrigatórios na profissão, como Celso Antônio Bandeira de Mello e Miguel Reale, a uma relação eclética de Guimarães Rosa, Borges e Dostoievski a Marx, Engels e Gramsci.

O primeiro passo da advogada responsável por 90% das ações no País contra o desmanche da Petrobras foi reunir todos os “Fatos Relevantes”, informações publicadas obrigatoriamente pelas empresas de capital aberto para comunicar ao mercado eventos capazes de afetar seus resultados.

A etapa seguinte consistiu na elaboração de ações populares para barrar em primeiro lugar aqueles processos de venda de bens da Petrobras que estavam em fase avançada, pois se tratava de “correr contra o tempo perdido e tentar bloquear as transações”. De um total de 11 ações, obteve liminares em dez e conseguiu suspender algumas transações.

Um exemplo é o da BR Distribuidora: a Petrobras abriu o capital da controlada, mas foi impedida pela Justiça de vender seu controle acionário. As quatro primeiras liminares foram concedidas entre outubro e dezembro de 2016, suspendendo as privatizações dos campos em águas profundas ultrarrentáveis de Baúna e Tartaruga Verde, da já mencionada BR Distribuidora, de campos terrestres do Nordeste e do Espírito Santo e dos campos de águas rasas do Nordeste.

“A Petrobras tentou, sem sucesso, cassar a liminar no caso de Baúna e Tartaruga Verde. A União entrou com um pedido de suspensão de liminar no Superior Tribunal de Justiça, mas o presidente em exercício, ministro Humberto Martins, manteve a decisão. A União recorreu ao STF, mas a ministra Cármen Lúcia não cassou a liminar de imediato e mandou o processo para o então procurador-geral da República Rodrigo Janot e, em seguida, a Petrobras desistiu do recurso”, diz a advogada.

No início de 2017, Raquel Sousa e os petroleiros acumulavam vitórias. Foram concedidas liminares para suspender a venda do Complexo Petroquímico Suape/Citepe, da NTS- Nova Transportadora Sudeste, do Campo de Carcará, da Termobahia e dos campos de Lapa e Iara.

Só não obtiveram a liminar no caso da Liquigás. A disputa judicial estava, no entanto, apenas no começo. O presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu as liminares contra a venda de Carcará e da NTS, mas os petroleiros entraram com recurso no STJ.

A advogada decidiu atuar também em um processo no Tribunal de Contas da União sobre a legalidade da sistemática de desinvestimentos da Petrobras. Ao mesmo tempo integrou-se à frente de sindicalistas e políticos que cobraram uma tomada de posição da instituição contra as irregularidades do processo, entre elas o desrespeito à Lei de Desestatização, a realização de vendas sem licitação nem leilão por preços aviltados, e a não observação da exigência de reunir um conselho nacional responsável para análise e eventual recomendação da transação à Presidência da República.

“Obtivemos uma vitória parcial, pois a posição do corpo técnico era liberar todas as transações. Diante dos fatos e dados que levamos aos ministros mostrando a lesividade das vendas, o TCU determinou que a Petrobras reiniciasse todos os procedimentos que ainda não haviam sido concluídos. Em seguida, houve, contudo, um revés importante, pois na sua decisão o TCU foi extremamente infeliz, adotou duas posições mutuamente excludentes. Primeiro, explicitou que a ‘sistemática’ empregada pela Petrobras implicava riscos consideráveis ao processo e que a condução dos desinvestimentos com essas fragilidades abria a possibilidade de se questionar se os negócios celebrados tinham sido vantajosos para a companhia. Depois, deixou todas as vendas feitas até então como estavam e deu permissão excepcional para o prosseguimento dos referidos negócios, sem que isso implicasse, no seu entendimento, ‘chancela de regularidade aos atos regidos pela sistemática anterior’.”

Ou seja, mesmo diante de todos os erros verificados, o TCU não determinou a anulação das alienações efetuadas de modo ilegal, só ordenou à Petrobras o reinício de todos os processos de desinvestimentos, cujos contratos de compra e venda não tivessem sido firmados.

Segundo Raquel Sousa, “trata-se de conclusão assustadoramente antijurídica: o TCU reconhece a inconstitucionalidade da sistemática de desinvestimento, mas permite o prosseguimento e a conclusão das negociatas que estão mais adiantadas e não determina a anulação das alienações já ocorridas, feitas com base em procedimentos reconhecidos como imprestáveis”.

O ladrão só não fugiu com o dinheiro no caso do Projeto Portfólio I, dos campos de Baúna e Tar-taruga Verde, que já estavam com a venda liberada pelo TCU, porque a Justiça Federal de Sergipe tinha proibido a transação feita pela Petrobras sem licitação, portanto, de modo sigiloso.

Ficou provado que a proposta dita vencedora para a compra daqueles campos era fraude: um dos compradores, a empresa australiana Woodside, nunca fez parte da proposta de compra”, contesta a advogada dos petroleiros. “É evidente que o acórdão do TCU não pode ser prestigiado pelo Poder Judiciário, uma vez que o único remédio que existe contra a inconstitucionalidade e a ilegalidade é o restabelecimento do império da lei.”

Com base na nova sistemática revisada pelo TCU, a Petrobras reiniciou os processos de venda dos seguintes ativos: 1. Campos terrestres de Sergipe, Bahia e Rio Grande do Norte; 2. Campos de águas rasas de Sergipe, Rio Grande do Norte e campos do Sudeste em Santos e na Bacia de Campos; 3. Campo de gás de Azulão, na Bacia do Amazonas; 4. TAG Transportadora Associada de Gás, subsidiária proprietária de toda a malha de dutos do Norte e do Nordeste; 5. Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), no Paraná e em Mato Grosso do Sul; 6. Campo de Piranema, em Sergipe; 7. Campos de Baúna, Tartaruga Verde e Espadarte; 8. Refinarias Landulpho Alves, na Bahia, Abreu e Lima, em Pernambuco, Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, e Getúlio Vargas, no Paraná; 9. Campos de águas profundas em Sergipe.

A incansável advogada anuncia: “Ajuizamos algumas ações e estamos na etapa preparatória de outras para sustar essas vendas, e conquistamos uma importante vitória com a suspensão da venda da TAG pela 4ª Turma do TRF da 5ª Região, que já antecipava o posicionamento do STF na liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski e mostra a correção dos nossos argumentos jurídicos desde os idos de 2016, quando iniciamos esta luta em defesa da Petrobras e do Brasil”.

Raquel Sousa refere-se à decisão do ministro do Supremo de proibir a venda do controle de empresas públicas de economia mista, por definição controladas pelo governo, a exemplo de Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil. Lewandowski concedeu, na quarta-feira 27, liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade aberta em 2011 pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo

Financeiro, ligada à Central Única dos Trabalhadores, questionando dispositivo da Lei das Estatais. A decisão, que é provisória, impede o governo de vender, sem autorização do Legislativo, o controle acionário daquelas companhias e ainda de subsidiárias e controladas das estatais.

Abrange as esferas estadual e municipal da administração pública e, na prática, suspende as privatizações de companhias nessas condições. O ministro Lewandowski justificou sua deliberação dada “a crescente vaga de desestatizações que vem tomando corpo em todos os níveis da Federação”, pois, se privatizações forem efetivadas “sem a estrita observância do que dispõe a Constituição, isso resultará em prejuízos irreparáveis ao País”.

Raquel Sousa prepara-se para “batalhas importantíssimas” nas próximas semanas. Na quarta-feira 11, o plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgará seu recurso contra a decisão do presidente desta Corte, que suspendeu a liminar que impedia a venda da participação da Petrobras nos campos de Lapa e Iara.

“Esses dois valiosíssimos campos do pré-sal foram vendidos por meio de uma “parceria” com a Total por um valor que não atinge sequer 2,75% das reservas daqueles campos de petróleo”, fulmina a advogada. Mundialmente conhecida por corrupção de agentes políticos, prossegue, a petrolífera francesa assinou acordo de leniência nos EUA por prática de corrupção ativa e aceitou pagar multa de 245 milhões de dólares, por ter subornado políticos iranianos para obter a concessão de South Pars, o maior campo de gás do mundo.

Na França, foi condenada ao pagamento de multa equivalente a 825 mil dólares por corromper funcionários do governo do Iraque. Na Itália, altos executivos da Total foram presos por subornar políticos italianos para obter a concessão do campo de petróleo de Basilicata, a maior ocorrência terrestre da Europa.

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgará recurso da advogada para suspender a venda dos campos de águas rasas de Sergipe. Ela aguarda ainda a apreciação do pedido de liminar na Justiça Federal do Rio de Janeiro na Ação Popular ajuizada por Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, para sustar a negociação das Fábricas de Fertilizantes Nitrogenados em Araucária (PR) e Mato Grosso do Sul.

Obteve liminar para barrar a venda dos campos de águas rasas do Rio Grande do Norte, mas o presidente do TRF da 5ª Região suspendeu a medida e Raquel entrou com recurso que também deve ser julgado nos próximos meses. Outro evento previsto é a apreciação do pedido de liminar contra a alienação dos campos de petróleo terrestres da Bahia e do Rio Grande do Norte, em ação que tramita pela 1ª Vara Federal de Sergipe.

“Até o momento, nossa luta é vitoriosa, pois o plano do governo Temer e do ex-presidente da Petrobras Pedro Parente era liquidar boa parte do patrimônio da empresa pública até o início de 2017. Estamos em 2018 e eles só conseguiram concluir, com grande atraso, a venda do campo de Carcará, da NTS, do Complexo Petroquímico Suape/Citepe, da Termobahia e das concessões de Lapa/Iara, ou seja, menos de 40% do que pretendiam”, observa Raquel Sousa.

Mesmo essas vendas são objeto de um processo de anulação que, segundo a advogada, “ganhou um imenso reforço com a decisão do ministro Lewandowski. As empresas que estão participando deste processo fraudulento a envolver o patrimônio do povo brasileiro não podem ser consideradas inocentes. Elas fazem parte deste esquema criminoso e por isso são rés nestas ações e terão de indenizar a Petrobras e o Brasil por todos os prejuízos que vierem a sofrer em razão destas vendas”.

Além das ações judiciais, a advogada dos petroleiros busca na Procuradoria-Geral da República a abertura de inquérito para investigar atos de improbidade administrativa e de fraude e sabotagem cometidos pelos gestores da Petrobras na venda do Complexo Petroquímico de Suape e no caso da NTS.

A alegação da Petrobras quanto à existência de “prejuízos consistentes” para vender Suape omite, segundo a advogada dos petroleiros, a recusa da empresa em concluir a “Linha A” do complexo petroquímico, após gastar “centenas de milhões de reais para construir 45% daquela instalação”.

A sabotagem, diz, foi confessada “com todas as letras no memorando de valoração apresentado aos acionistas quando da aprovação da venda, pois ali a direção da empresa assume que não concluirá a construção da Linha A, o que iria impedi-la de realizar a integração vertical completa prevista no projeto”. Isso mostra, prossegue, que “se está diante de uma negociata arrojada e temerária, em que, deliberadamente, a Petrobras impediu o pleno funcionamento do complexo para desvalorizá-lo e vendê-lo ao preço vil de 435 milhões de dólares”.

A desestatização da NTS, empresa que controla uma rede de dutos de transporte do gás natural produzido nas bacias de Campos e Santos foi “ilegal e lesiva”, acusa a advogada, pois foi realizada sem licitação e por valor equivalente a cinco anos do seu lucro, que deverá triplicar após a entrada em produção de vários campos gigantes do pré-sal. Ela considera “catastrófica” uma cláusula do contrato de venda denominada ship-or-pay, por meio da qual a Petrobras assume o compromisso de pagar um valor mínimo pela utilização dos mesmos dutos de gás da NTS que eram da sua propriedade.

O dano à companhia aparece no primeiro balanço posterior à transação, com aumento de 64% nas despesas com vendas em consequência do pagamento de tarifas pela utilização dos gasodutos desde a venda da NTS. “Aproximadamente, um sexto do valor efetivamente recebido pela venda da NTS foi gasto pela Petrobras com o aluguel dos próprios gasodutos em apenas um trimestre”, contabiliza a advogada.

Nas suas contas, todo valor recebido pela venda da NTS terá sido pago em aluguéis por 18 meses de utilização. “Estamos buscando também a instauração de inquérito pela prática dos crimes de falsidade ideológica, ocultação de documento e fraude de gestores da Petrobras no caso da venda dos campos de Baúna e Tartaruga Verde para a empresa Karoon Gas Australia, suspensa pelo Tribunal e posteriormente cancelada”, acrescenta.

A advogada estranha a presença, entre os principais diretores da companhia australiana, de dois ex-gerentes da Petrobras: Luciana Bastos de Freitas Rachid e José Barbosa Coutinho. “Luciana saiu da Petrobras em agosto de 2016 e foi direto para a direção da Karoon, ou seja, exatamente na época em que foi iniciada a negociação dessa firma com a Petrobras para a venda dos valiosíssimos campos de Baúna e Tartaruga Verde”, protesta a advogada.

Quanto a Coutinho, “trabalhou por 38 anos na Petrobras e chegou a ser seu presidente interino por indicação de Pedro Parente, que à época presidia o Conselho de Administração da empresa pública. Ambos são réus em ação popular em razão de uma operação na qual a Petrobras trocou ativos desvalorizados da Repsol-YPF na Argentina por ativos brasileiros valorizados, causando um prejuízo de 790 milhões de reais, oficialmente registrado no balanço de 2001 da empresa”.

Em 2009, Coutinho mais cinco dirigentes da petroleira brasileira e a Construtora Odebrecht foram condenados por fraude em um contrato com a empreiteira para a manutenção de plataformas de petróleo na Bacia de Campos. Uma auditoria concluiu, na época, que a Odebrecht superfaturou um aditivo assinado em dezembro de 2002, o que causou prejuízo à Petrobras.

“Estranhamente, Coutinho veio depois a compor o Conselho de Administração da Odebrecht, do qual faz parte atualmente”, destaca Raquel Sousa. Foi acusado pelo seu sucessor na Petrobras, o então diretor Guilherme Estrella – geólogo renomado, integrante da equipe descobridora do pré-sal –, de protelar as perfurações exploratórias destinadas, no vencimento do prazo para as prospecções, em agosto de 2003, a serem outra vez levadas a leilão pela Agência Nacional de Petróleo, para arremate por empresas estrangeiras.

“É espantoso, mas a Petrobras indicou José Coutinho Barbosa como administrador do consórcio de seis campos do pré-sal que a companhia devolveu para a ANP por serem improdutivos, o que causou muita estranheza no mercado internacional do petróleo”, afirma a advogada, em alusão a denúncias de várias publicações mundiais especializadas.

Para comprar Baúna e Tartaruga Verde, a Karoon disse ter como parceira a Woodside, maior empresa independente de petróleo e gás da Austrália, com presença global e reconhecida pelas suas competências de classe mundial, enquanto exploradora, desenvolvedora, produtora e fornecedora com significativa capacidade de investimento e expertise em desenvolvimento. Como não houve licitação, o que contraria a lei, a Karoon não foi instada a apresentar comprovação de que a Woodside fazia parte da transação.

A irregularidade evidenciou-se ainda mais quando essa empresa informou, em carta endereçada à própria Petrobras, não ter autorizado a Karoon a incluí-la no negócio. “A carta prova que a Woodside jamais fez parte do negócio e que a proposta da Karoon era uma fraude. Pedro Parente sabia disso desde outubro de 2016”, dispara a advogada dos petroleiros. O fato foi ocultado, diz, do STF, do TCU e da CVM. “Apesar de saber que a Woodside não fazia parte do negócio, prossegue, Pedro Parente insistiu em continuar com a venda de Baúna e Tartaruga Verde, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante.”

Para piorar ainda mais, a direção da Petrobras alegou que a venda se tornara inviável, devido à retirada de um dos compradores, “uma mentira pura e simples, pois a Woodside jamais fizera parte do negócio”. A afirmação da empresa pública de que “a Karoon foi a primeira colocada no procedimento de venda é mentira pura e simples, uma vez que não houve licitação nem qualquer tipo de procedimento competitivo”.

Para Raquel Sousa, houve “estarrecedor nível de negligência, porque a Petrobras aceitou, sem maiores questionamentos, a afirmação da Karoon de que sua proposta estaria, financeira e tecnicamente, apoiada pela grande empresa petroleira Woodside”.

Em março do ano passado, conforme mencionado acima, quando o caso chegou ao STF e a ministra Cármen Lúcia proferiu despacho sem deferir a liminar pretendida pela Petrobras e determinou o encaminhamento dos autos ao procurador-geral da República para emissão de parecer, ato seguido da desistência da Petrobras, quando o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro optou por arquivar o caso.

A advogada dos petroleiros escreveu no recurso contra a decisão de arquivamento: “Assim é a Petrobras na gestão de Pedro Parente: segredos, sigilos, meias-verdades e até inverdades, tudo a serviço de viabilizar obscuras transações como esta que é discutida nestes autos”.

Os julgamentos das ações contra a Petrobras começaram a fluir mais rapidamente nos últimos meses, constata Raquel Sousa, e isso, ao lado da mencionada decisão do ministro Lewandowski, tomada em prazo relativamente curto para uma ação iniciada em 2016, talvez indique que “os ventos estão mudando”.

Sopram na mesma direção, é possível acrescentar, o fracasso total da condução da economia por Michel Temer, com desaprovação superior a 90%, a rejeição inédita de 57% da população ao juiz Sergio Moro, patrono das ações contra a Petrobras e sua cadeia produtiva, e aquilo que parece ser uma crise no alinhamento do STF à Justiça e ao Ministério Público de Curitiba.

A esta altura, a importância da luta jurídica assumida em profundidade pelos petroleiros é perceptível do início ao fim, nesta análise do presidente da FNP Adaedson Costa: “Percebemos que, depois do golpe, teríamos de combater a privatização e a desnacionalização em todas as frentes, e que recorrer ao Judiciário seria uma maneira de termos voz, pois, se conseguíssemos algum êxito nesse campo, isso iria gerar publicidade para o problema e para a nossa luta”.

Como é de se esperar, diz Costa, “nas mídias tradicionais não temos espaço nem quando recorremos à publicidade paga para divulgar a nossa versão dos fatos, pois, para as entidades que representam trabalhadores, eles aumentam o preço”. Conclusão: “É uma mídia totalmente tendenciosa, voltada para os interesses do capital. Mas, se conseguíssemos juntar as ações políticas com as operativas desenvolvidas junto aos petroleiros e outras confederações que representam os trabalhadores, mais as ações jurídicas, ao menos começaríamos a ter voz. Ao fim de tudo, alcançamos vitórias importantes”.

Juntamente com o senador Roberto Requião e outras forças políticas, foram criadas três frentes parlamentares que defendem a soberania e são contrárias às privatizações. “Quem está perdendo não é o petroleiro – reitera Costa –, mas toda a sociedade. A Petrobras e outras empresas estatais são as molas propulsoras do desenvolvimento deste país.

Sem ela, perdemos as perspectivas de um futuro voltado para um Brasil desenvolvido, a educação, a saúde, e autônomo na exploração dos seus recursos naturais e energéticos para realmente ter soberania.”

O trabalho é reconhecido por entidades congêneres, como a Federação Única dos Petroleiros, segundo seu presidente José Maria Rangel: “Tenho claro que todo este processo, que foi construído de ações na Justiça, até mesmo com as liminares que também ajudam, embora, ao ganharmos na primeira instância, a decisão acabasse por ser derrubada.

Aconteceu, inclusive, nos leilões do pré-sal. A deliberação consistente foi a do ministro Lewandowski, que fez com que a Petrobras suspendesse as suas vendas. Até então, as medidas judiciais não barravam o processo”. E José Maria adverte: “Estamos falando aqui da Petrobras, mas eles querem levar também todo o resto, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica.

Acredito que por este caminho ganharemos um fôlego importante até para levar este debate para a iminente campanha eleitoral, o que pode ser decisivo para barrarmos de uma vez por todas o processo de privatização ora em curso”.


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