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O Judiciário está ouvindo a ‘voz das ruas’?

Por Antonio Claudio Linhares Araújo, no GGN.

A pesquisa CNT/MDA, divulgada recentemente, revela dados preocupantes sobre a realidade social brasileira, uma vez que, em diversos tópicos pesquisados sobre a percepção dos brasileiros a respeito do cenário político e econômico, bem como sobre o funcionamento das instituições nacionais, a predominância foi de avaliações negativas e de expectativas nada esperançosas sobre o futuro do país.

A Grande Jogada – Opinião

Por Rômulo de Andrade Moreira, no Jusbrasil.

No dia 19 de dezembro do ano passado o Ministro Gilmar Mendes deferiu medidas liminares nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nºs. 395 e 444, proibindo a realização de conduções coercitivas de investigados para interrogatório.

Segundo o Ministro, “a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”, observando “que a disseminação de conduções coercitivas no âmbito de operações da Polícia Federal dá relevância ao caso concreto.”

As referidas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental têm por objeto o art. 260 do Código de Processo Penal e a prática judicial de determinar a condução coercitiva de imputados para depoimento. As ações questionam especificamente a condução coercitiva de suspeitos, investigados ou indiciados para interrogatório.

Segundo o relator, “a condução coercitiva no curso da ação penal havia se tornado obsoleta, principalmente porque a Constituição de 1988 consagrou o direito do réu de deixar de responder às perguntas, sem ser prejudicado (direito ao silêncio). Com isso, a condução coercitiva para o interrogatório foi substituída pelo simples prosseguimento da marcha processual, à revelia do acusado. Entretanto, segundo observou, o ato foi “reciclado” e, nos últimos anos, passou a fazer parte do procedimento-padrão das operações policiais.

Escreveu: “Nossa Constituição enfatiza o direito à liberdade, no deliberado intuito de romper com práticas autoritárias como as prisões para averiguação. Assim, salvo as exceções nela incorporadas, exige-se a ordem judicial escrita e fundamentada para a prisão – art. 5º, LXI. Logo, tendo em vista que a legislação consagra o direito de ausência ao interrogatório, a condução coercitiva para tal ato viola os preceitos fundamentais previstos no artigo 5º, caput, LIV e LVII. Em consequência, deve ser declarada a incompatibilidade da condução coercitiva de investigado ou de réu para ato de interrogatório com a Constituição Federal.

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Pois bem.

Diante da impossibilidade de requerer as respectivas conduções coercitivas – imposta pelas liminares -, o que fez então o Ministério Público? Solicitou ao Ministro Luís Roberto Moro Barroso as prisões temporárias de investigados na chamada “Operação Skala” (que seria melhor denominada “Operação Caçada ao Presidente”[1]). E assim deu-se. Foram decretadas as prisões temporárias, por cinco dias, como estabelece a lei (prorrogáveis por mais cinco dias).

Quando tomei conhecimento da decisão do Ministro Barroso (o homem dos merecidos 46 milhões de reais por uma hora de palestra[2]), imaginei de imediato que estava presente um dos três requisitos para a prisão temporária, além do seu pressuposto, tudo nos termos da Lei nº. 7.960/89, a saber:

1º. requisito: ser imprescindível para as investigações do inquérito policial.

2º. requisito: não ter o indiciado residência fixa.

3º. requisito: não ter o indiciado fornecido elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.

Além destes três (e únicos!) requisitos legais, o pressuposto (fumus commissi delicti) estabelecido pela lei é que haja fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado em determinados crimes, entre os quais o de formação de associação criminosa (art. 288 do Código Penal e não organização criminosa, este tipificado no art. 1º. da Lei nº. 12.850/13) e os delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, estes indicados taxativamente na Lei n°. 7.492/86 (que não se confunde, tampouco, com os crimes contra a Administração Pública, previstos no Código Penal – como a corrupção -, nem com os de lavagem de dinheiro tipificados na Lei nº. 9.613/98).

Excluídos, por motivos óbvios, os dois últimos requisitos, a solicitação do Ministério Público baseou-se, evidentemente repita-se!, no fato das prisões temporárias (supostamente) serem imprescindíveis para as investigações do inquérito policial.

Presumo, também, que os presos foram formalmente indiciados (na forma do art. 2º., § 6º., da Lei nº. 12.830/13) pelos crimes acima referidos: associação criminosa (não organização criminosa – que são tipos penais diversos) e contra o sistema financeiro nacional. Observa-se que o rol de crimes indicados no art. 1º., III da lei que trata da prisão temporária é taxativo, não se admitindo, por óbvio, qualquer interpretação extensiva ou análoga, muito pelo contrário.

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Presos os indiciados (supondo que, efetivamente, foram formalmente indiciados[3]) e conduzidos à Polícia Federal, lá ficaram por muito pouco tempo, pois as prisões foram revogadas a pedido do Ministério Público, tão logo os presos foram interrogados.

Exatamente assim: após os respectivos interrogatórios, a Procuradoria Geral da República afirmou, em seu requerimento, que todos os presos já haviam sido ouvidos e as medidas de busca e apreensão já tinham sido executadas, o que tornava desnecessária a manutenção das prisões temporárias.

Em sua nova decisão, o relator afirmou que, “tendo as medidas de natureza cautelar alcançado sua finalidade, não subsiste fundamento legal para a manutenção das medidas, impondo-se o acolhimento da manifestação da Procuradoria-Geral da República.” (grifei).

Ora, pergunta-se então: qual teria sido a verdadeira finalidade das prisões temporárias? Teriam sido mesmo imprescindíveis para as investigações do inquérito policial ou o escopo era, tão-somente, colher os depoimentos dos indiciados, considerando-se que a busca e a apreensão independem da prisão do indiciado? Logo, das duas uma:

1º.) Ou as prisões eram realmente imprescindíveis para as investigações e os indiciados deveriam continuar presos até o final do prazo estabelecido em lei (cinco dias prorrogáveis por mais cinco dias).

2º.) Ou, escamoteando-se a liminar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes[4], a verdadeira finalidade das prisões foi, tão-somente, compelir os indiciados a deporem, o que fere a Constituição Federal quando declara o direito ao silêncio, bem como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou o Pacto de São José da Costa, promulgado no Brasil pelo Decreto nº. 678/1992 que, em seu art. 8º., 2, g, garante o direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo.

Conclusão, como se fora em uma partida de futebol mista (entre homens e mulheres), a volante Raquel deu um passe sensacional para o centroavante Luís que, à la Garrincha – que não era centroavante -, após driblar espetacularmente o zagueiro Mendes, chutou certeiro e marcou outro golaço, aumentando a goleada em cima do “timeco” adversário. Qual o nome do time humilhado? “Constituição Federal.”

Rômulo de Andrade Moreira é membro do Transforma MP. Procurador de Justiça na Bahia (MPBA), Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS. Pós-graduado pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). 


 

[1] Título de um filme lançado em 2014, com o título original “Big Game”, e dirigido por Jalmari Helander. Como se sabe, a Operação Skala foi deflagrada no âmbito do inquérito que investiga suposta concessão de vantagens a empresas portuárias em troca de dinheiro na edição do Decreto dos Portos, assinado pelo Presidente da República em maio de 2017. Entre os detidos estavam dois amigos do Presidente da República: o advogado José Yunes, ex-assessor especial da Presidência da República, e João Baptista Lima Filho, Coronel da Polícia Militar de São Paulo.

[2] Segundo noticiou, e provou, o jornalista Reinaldo Azevedo: http://www3.redetv.uol.com.br/blog/reinaldo/1515038-2/, acessado em 31 de março de 2018.

[3]O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.” (art. 2º., § 6º., da Lei nº. 12.830/13). Grifei.

[4] Segundo o Ministro Barroso, “uma pessoa horrível” e de “mau sentimento”, “uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, em uma interessante análise psicológica feita, republicanamente, na sessão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no dia 21 de março.

 

Opinião – O homem que sabia demais…, por Rômulo de Andrade Moreira

Por Rômulo de Andrade Moreira, no Empório do Direito.

No dia 28 de dezembro do ano passado, a Presidenta do Supremo Tribunal Federal, Ministra Cármen Lúcia, deferiu medida cautelar para suspender os efeitos de dispositivos do Decreto nº. 9.246/2017 que reduziram o tempo de cumprimento da pena para fins de concessão do chamado indulto de Natal. A liminar foi concedida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5874, ajuizada pela Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge.

Após o período de férias forenses, mais exatamente no dia 1º. de fevereiro deste ano, o Ministro Roberto Barroso, relator da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, manteve a liminar concedida pela Presidenta da Corte, por entender que “o decreto violava o princípio da separação dos Poderes, diante da impossibilidade de o Poder Executivo dispor sobre matéria penal, à efetividade mínima do Direito Penal.”

Agora, no último dia 12 de março, o Ministro Luís Roberto Barroso proferiu nova decisão liminar alterando pontos da decisão anterior, “permitindo a aplicação em parte do decreto nas hipóteses em que não se verifica desvirtuamento na concessão do benefício e mediante os critérios nela fixados.”

A nova “canetada”, rascunhando o decreto presidencial (cujo mérito – se certo ou errado – não está aqui em discussão) e usurpando atribuição privativa do Presidente da República, ampliou o tempo mínimo de cumprimento da pena para obtenção do indulto, além de estabelecer a sua aplicação aos casos em que a condenação não for superior a oito anos, como se uma decisão judicial – meramente monocrática, ainda mais! – pudesse alterar ou aditar um decreto presidencial.

Ademais, manteve suspensos os dispositivos que incluíam no indulto os chamados “crimes do colarinho branco”, o que perdoava penas de multa, o que concedia o benefício aos que tiveram pena de prisão substituída por restritiva de direitos e aos beneficiados pela suspensão condicional do processo.

Outrossim, suspendeu o artigo relativo à possibilidade de indulto na pendência de recurso judicial, olvidando-se, neste aspecto, do princípio da presunção de inocência, aliás, já mandado às favas pelo Supremo Tribunal Federal há tempos, desde o julgamento do Habeas Corpus nº. 126292.

O Ministro destacou “que o elastecimento imotivado do indulto para abranger essas hipóteses viola o princípio da moralidade e descumpre os deveres de proteção do Estado a valores e bens jurídicos constitucionais que dependem da efetividade mínima do sistema penal.” Para ele, “o excesso de leniência em casos que envolvem corrupção privou o direito penal no Brasil de uma de suas principais funções, que é a de prevenção geral. O baixo risco de punição, sobretudo da criminalidade de colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada desses delitos.”

Aliás, antes de mais nada, abaixo à corrupção!

Pois bem.

Como se sabe, no final do ano passado, o Presidente da República, por meio do Decreto nº. 9.246/2017, exercendo competência privativa conferida pelo art. 84, caput, XII da Constituição Federal, por ocasião das festividades comemorativas do Natal, como é da tradição católico-brasileira, concedeu indulto às pessoas condenadas ou submetidas a medida de segurança e comutou penas de pessoas já condenadas.

Desde logo, é importante relembrar – por que não? –  que art. 2º. da Constituição Federal estabelece serem Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, consagrando-se “um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição inscreve como um dos princípios fundamentais que ela adota.” Importa aqui, conforme ensinamento de José Afonso da Silva, “não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambas haja uma conexão necessária.”

Como anota Afonso da Silva, essa separação de poderes admite, na própria Constituição Federal, determinadas exceções como “a permissão de que Deputados e Senadores exerçam funções de Ministro de Estado, que é agente auxiliar do Presidente da República, Chefe do Executivo, bem como de Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Prefeitura de Capital ou de missão diplomática temporária (art. 56); também o é a regra do art. 50 que autoriza a convocação de Ministros de Estado perante o plenário das Casas do Congresso ou de suas comissões, bem como o seu comparecimento espontâneo para expor assunto relevante do seu Ministério. As exceções mais marcantes, contudo, se acham na possibilidade de adoção pelo Presidente da República de medidas provisórias, com força de lei (art. 62), e na autorização de delegação de atribuições legislativas ao Presidente da República (art. 68).”[1]

Ora, o já referido art. 84 da nossa Constituição estabelece expressamente competir privativamente ao Presidente da República, dentre outras atribuições, conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei (inciso XII). Trata-se de uma prerrogativa dada pelo constituinte originário ao chefe do Poder Executivo, sendo uma “tradição mundial o apelo ao Chefe da Nação. Cabe a ele, qualquer que seja o sistema, examinar se é ou não o caso de indulto.” Revela-se, como se vê, um “gesto de magnanimidade do Chefe da Nação”, sendo conhecido “de priscas eras, tendo a Constituição de 1988 incorporado regra que não é novidade no direito pátrio e no comparado.”[2]

É importante destacar, ainda que seja uma obviedade, que, ao conceder o indulto, o Presidente na República não está aplicando pena, tampouco executando-a, muito menos julgando o condenado que, aliás, já foi processado, julgado e, muita vez, condenado definitivamente pelo Poder Judiciário.

O indulto, como já ensinava Basileu Garcia, objetiva “simplesmente – ou a correção de erros ou demasias do rigor da Justiça, ou premiar o sentenciado exemplar, para quem a pena, antes do livramento condicional, já se mostrou manifestamente desnecessária (…) ou acomodar situações que normas penais inadequadas tornaram iniquamente gravosas.”[3]

Constitui o indulto, como bem salientou, por sua vez, Aníbal Bruno, “instrumento de moderação e equilíbrio à atuação do Poder judicante, que, estritamente sujeito aos termos da lei, não pode atender as circunstâncias que singularizam o fato e reclamam para ele tratamento diverso do normal.[4]

A decisão – monocraticamente tomada pelo Ministro Barroso – foi, evidentemente, equivocada, pois desautorizou um ato constitucionalmente deferido ao Presidente da República, sem que se apontasse, concretamente, qualquer inconstitucionalidade. Referir-se, genericamente, à “violação aos deveres de proteção do Estado quanto à segurança, justiça, probidade administrativa e direitos fundamentais dos cidadãos, e também violação ao princípio da moralidade administrativa por desvio de finalidade”, não basta, ainda mais se tratando da gravidade da matéria objeto da liminar.

Repita-se: não se questiona o conteúdo do decreto, mas a legitimidade privativa do Presidente da República, afinal de contas, Ministro do Supremo Tribunal Federal não é chefe do Poder Executivo, ainda…

Ademais, achar que o sistema jurídico é a panaceia para a corrupção no Brasil é de uma ingenuidade gritante. Pior, ainda mais!, quando assim se pensa e se faz rasgando todas as regras do jogo (democrático, processual e constitucional), em nome do combate aos corruptos, estes que só se multiplicam na mesma razão em que se propagam as mazelas do sistema político e do sistema econômico (especialmente no seu aspecto neoliberal).

O grande, e preocupante problema, como anota Boaventura Santos, é que o Poder Judiciário passou a se assumir “como poder político, colocando-se em confronto com os outros poderes do Estado, em especial com o executivo.” Assim, “o combate à corrupção que, em regra, surge devido a uma certa conjuntura política, leva a que muitos dos conflitos políticos acabem por ser resolvidos em tribunal. É esse o momento em que se verifica uma das faces da judicialização da política. Defendo que há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam de modo significativo as condições da ação política”, atingindo, por conseguinte, “o desempenho dos próprios tribunais, conduzindo à politização do judiciário. (…) Neste contexto, temos mesmo vindo a assistir, em alguns países, a um deslocamento da legitimidade do Estado: do poder executivo e do poder legislativo para o poder judiciário.”[5]

É, sem dúvidas, o caso brasileiro. Óbvio que os arautos da moralidade continuarão bradando a bandeira brasileira, como surtados, em busca da salvação. Vejam, por exemplo, a Professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apoplética, agitando uma bandeira do Brasil, ou o Procurador da República pregando em templos para conseguir assinaturas em favor das medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público Federal – em grande parte inconstitucionais. A questão é: quem quer mesmo a ajuda deles? E eles são mesmo capazes disso ou não passam de “(mais) uns idiotas úteis da mercadoria?”[6]

Obviamente que não pregamos a impunidade. O que repudiamos com veemência – e sempre o faremos – é o uso que hoje se faz do sistema jurídico como estratégia de controle social e político, fato que se iniciou com a Ação Penal nº. 470, o chamado “processo do mensalão”, continuou com a conhecida “Operação Lava-Jato” e culminando com o processo vergonhoso do impeachment, um verdadeiro golpe parlamentar dado às custas, exatamente, de dinheiro oriundo da corrupção.

Ademais, é preciso, destacando-lhes a importância para o Estado Democrático de Direito, realçar a urgente necessidade de democratização do Poder Judiciário e do Ministério Público, este, nos termos do art. 127, da Constituição Federal, defensor da ordem jurídica e do regime democrático, evitando-se que o sistema jurídico torne-se alvo “e, por vezes, refém dos meios de comunicação social.”

De toda maneira, “o alcance e o sentido de uma refundação democrática do judiciário irão, contudo, depender da orientação local das reformas judiciais em cada país e da intensidade da influência exercida pela globalização hegemônica do direito e da justiça.”[7]

Em definitivo, é o fim dos tempos! Como diria Cícero: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? (…) Ó tempos, ó costumes!”[8]

Rômulo de Andrade Moreira é membro do Transforma MP. Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.


[1] SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, 10ª. edição, páginas 107, 109, 112 e 113.

[2] MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil, Volume IV, Tomo II, São Paulo: Saraiva, 1997, 1ª. edição, página 315.

[3] GARCIA, Basileu, Instituições de Direito Penal, Volume I, Tomo II, São Paulo: Max Limonad, 1962, 4ª. edição, página 672.

[4] BRUNO, Aníbal, Direito Penal, Parte Geral, Tomo III, Rio de Janeiro: Forense, 1967, 3ª. edição, páginas 204 e 205.

[5] SANTOS, Boaventura de Souza, Para uma revolução democrática da Justiça, São Paulo: Cortez Editora, 2010: 3ª. edição, páginas 22, 29 e 30.

[6] MARTINS, Rui Cunha, A hora dos cadáveres adiados – Corrupção, expectativa e processo penal, São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013, página 77.

[7] SANTOS, Boaventura de Souza, Para uma revolução democrática da Justiça, São Paulo: Cortez Editora, 2010: 3ª. edição, páginas 30 e 32.

[8] Palavras que Marco Túlio Cícero, filósofo e orador romano, dirigiu ao seu grande rival na disputa pela mais alta posição da Magistratura de Roma, Lúcio Sergio Catilina. Certo dia, Cícero foi ao Senado e disse em frente a Catilina e aos presentes, para que todos ouvissem, o seguinte: “Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberações foram as tuas. Ó tempos, ó costumes!”

STF decide que grávidas e mães presas provisórias podem ir para casa

Com informações da BBC Brasil.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira que mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória (ou seja, que não foram condenadas) terão o direito de deixar a cadeia e ficar em prisão domiciliar até seu caso ser julgado.

Por quatro votos a um, a Segunda Turma da corte, composta pelos ministros Edson Fachin, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, acatou um habeas corpus coletivo em nome dessas detentas e de seus filhos, aceitando o argumento de que “confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parto e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante”.

Há excesso de garantias, diz professor. O que dirão os 750 mil presos?

Por Lenio Luiz Streck no site Conjur.

Conheci o professor José Eduardo Faria no final dos anos 80 e me tornei seu admirador. Nos anos 90, fizemos palestras juntos. Ele era, então, um dos ícones da crítica do Direito. Sob outra perspectiva, trabalhei muito sua “crise de paradigmas” em vários livros. Lembro de um exemplo, não sei se dele ou meu, sobre invasão de terras: quando uma pessoa invade uma propriedade, é esbulho; mas se milhares de pessoas invadirem e o Judiciário tratar disso como esbulho, o caos estará instalado. Eis a crise. A obra do professor é vasta. Impossível elogiá-la e descrevê-la em pequeno espaço.

Passam tantos anos e vem a discordância. Forte. Explico. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o professor Faria explica e justifica o estado da arte do processo penal brasileiro. Na verdade, muito mais justifica “as novas práticas” do que as explica no plano daquilo que se pode chamar de Estado Democrático. Sim, porque, quer queira, quer não queira — e não precisamos discutir se isso é bom ou ruim (e seria, ainda, de perguntar “bom” ou “ruim” para quem) —, a sociologia ou o realismo jurídico (o professor faz uma ode ao realismo e ao common law) ainda não podem revogar as garantias constitucionais. O advérbio “ainda” é justificado. Se no Brasil até o passado é incerto, o que dizer das garantias constitucionais.

Quilombolas comemoram vitória histórica em julgamento no STF

Publicado na Terra de Direitos.

O resultado final do julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) n° 3239 no Supremo Tribunal Federal (STF), que trata do direito à terra e território das comunidades quilombolas, teve desfecho favorável às e aos quilombolas brasileiros na última quinta-feira (8).

Durante a sessão, os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandoswki, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia votaram pela integral improcedência da ação, incluindo a aplicação da tese do “marco temporal”, que prevê que o direito constitucional quilombola à terra se resumiria apenas às áreas que estivessem efetivamente ocupadas em 5 de outubro de 1988 – o que dificultaria o acesso efetivo das comunidades a seus territórios. Em seu voto, Lewandoswki chegou a classificar o marco temporal como “prova diabólica”, por ser difícil ou impossível de ser produzida.

Segundo ministro a votar no julgamento da ADI 3239, Luís Roberto Barroso também julgou pela improcedência da ação. No que se refere à tese de marco temporal, contudo, ele propõe que sejam consideradas as comunidades ocupadas quando a Constituição Federal foi promulgada, em outubro de 1988, somadas às que foram desapossadas à força (desde que sua vinculação cultural tenha sido preservada) e caso haja pretensão da comunidade em retomar a terra. Estas duas condicionantes são analisadas a partir de laudos antropológicos produzidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Já o ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto de Dias Toffoli, que em sessão anterior havia se posicionado pela constitucionalidade parcial (que leva em consideração a tese do marco temporal) da matéria.

Para os representantes das comunidades quilombolas de todo o país presentes ao julgamento, o resultado é uma vitória contundente, advinda de um processo intenso de luta e mobilização. “Hoje o Estado brasileiro deu um passo importantíssimo para resolver o problema de uma nação. É um dia de luta e de comemoração, mas que sirva de exemplo para que a gente possa galgar novos caminhos. Que essa decisão faça com que o Executivo devolva aquilo que é direito nosso”, afirma Denildo Moraes, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Segundo Layza Queiroz, advogada popular da Terra de Direitos, o julgamento é um marco na história dos direitos quilombolas. “A confirmação da constitucionalidade do decreto e o rechaço da tese do marco temporal é uma vitória imensa das comunidades quilombolas, principalmente diante de um contexto de ofensiva conservadora e retirada de direitos. Ao Estado brasileiro compete agora mais do que nunca o integral cumprimento da Constituição e do decreto, garantindo recursos necessários para a titulação dos territórios quilombolas”.


Foto: Terra de Direitos.