Lei da Anistia: a condenação do Brasil pela OEA e o silêncio do Supremo

A apreciação definitiva pelo Supremo Tribunal Federal da Lei de Anistia à luz da Constituição – sobretudo no que concerne aos chamados crimes permanentes – continua em ritmo bem lento, apesar de tramitarem na Corte duas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs 153 e 320).

Por Luiz Orlando Carneiro, no Jota.

Na esteira de condenação formal do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, anunciada no último dia 4 deste mês, o Ministério Público Federal em São Paulo decidiu reabrir as investigações sobre a morte, em outubro de 1975, do jornalista Vladimir Herzog, que era então diretor da TV Cultura. Ele foi encontrado morto, em 1975, enforcado, no cárcere do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), onde estava preso por suposta ligação com o Partido Comunista Brasileiro.

A versão da ditadura militar ainda vigente à época foi a de que o jornalista se suicidara, enforcando-se com um cinto, o que seria impossível devido à altura da grade da cela. Investigações formais iniciadas em 1992 acabaram arquivadas em face da Lei de Anistia (Lei 6.683/1979).

A peça condenatória da Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos concluiu que o Estado Brasileiro “é responsável pela violação do direito à integridade pessoal, previsto no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em prejuízo de Zora Herzog, Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog”.

E dispôs, por unanimidade, que: “Esta sentença constitui, por si mesma, uma forma de reparação”, devendo o Estado “reiniciar, com a devida diligência, a investigação e o processo penal cabíveis, pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975, para identificar, processar e, caso seja pertinente, punir os responsáveis pela tortura e morte de Vladimir Herzog, em atenção ao caráter de crime contra a humanidade desses fatos e às respectivas consequências jurídicas para o Direito Internacional”.

Esta não foi a primeira vez em que o Brasil foi sentenciado pela CIDH. Em novembro de 2010, o Estado brasileiro foi condenado, também por unanimidade, em razão de crimes que teriam sido cometidos na chamada Guerrilha do Araguaia, no “Caso Gomes Lund e outros v. Brasil”. O tribunal da OEA entendeu que exceções previstas na Lei da Anistia impedem a investigação e a sanção de “graves violações de direitos humanos”, sendo assim incompatíveis com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

O STF

A apreciação definitiva pelo Supremo Tribunal Federal da Lei de Anistia à luz da Constituição – sobretudo no que concerne aos chamados crimes permanentes – continua em ritmo bem lento, apesar de tramitarem na Corte duas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs 153 e 320) – a primeira das quais foi julgada e indeferida, em abril de 2010, mas ainda está na dependência da apreciação pelo plenário em sede de embargos de declaração.

Em 23 de abril de 2015, a ministra Rosa Weber concedeu medida liminar em reclamação (RCL 19.760) para suspender ação penal em trâmite na 9ª Vara Criminal de São Paulo contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de crime de sequestro e cárcere privado de um fuzileiro naval expulso das Forças Armadas em 1964, e que fora sequestrado por agentes do DEOPS-SP em 1971. Na reclamação, a defesa de Ustra sustentava que o juiz de primeiro grau – ao rejeitar o pedido de extinção da punibilidade do réu com base na Lei da Anistia – estava descumprindo a decisão tomada pelo STF no julgamento da ADPF 153.

Ao acolher o pedido de liminar, a ministra Rosa Weber não avançou no mérito da questão. Assinalou que a reclamação era referente a dois processos pendentes de julgamento pelo plenário: os embargos declaratórios na ADPF 153, de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil; e uma outra ação do mesmo tipo (ADPF 320), ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em maio de 2014, até hoje não submetida ao plenário.

A ADPF 153 – aquela julgada pelo pleno em 2010 – foi rejeitada pelo placar de 7 votos a 2. Formaram a maioria os ministros Eros Grau (relator), Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Ficaram vencidos: Ricardo Lewandowski e Ayres Britto.

Desses ministros, quatro dos que formaram a maioria (ou seja, que consideraram o crime de sequestro coberto pela Lei da Anistia) ainda integram a Corte. Mas Eros Grau foi sucedido por Luiz Fux; Ellen Gracie por Rosa Weber; Cezar Peluso por Edson Fachin.

O recurso (embargos) na ADPF 153 será julgado juntamente com o mérito da ADPF 320, não se sabe ainda quando. O relator dessas ações é o ministro Luiz Fux.

O site do STF registra no andamento da ADPF 320 que, no último dia 28 de junho, a Associação de Juízes pela Democracia (AJD) ingressou com pedido de “amicus curiae” no feito.

O advogado da AJD, Pierpaolo Bottini, sustenta na petição que o STF ao julgar a ADPF 153 “não se atentou ao caráter permanente de alguns dos crimes cometidos pelos agentes públicos contra os opositores políticos ao regime militar, especialmente, o crime de ocultação de cadáver”.

Ele ressalta ainda que a 2ª Turma da Corte, ao julgar o HC 76.678 (relator Maurício Corrêa), decidiu que a ocultação de cadáver “é um crime permanente, que subsiste até o instante em que o cadáver é descoberto, pois ocultar é esconder, e não simplesmente remover, sendo irrelevante o tempo em que o cadáver esteve escondido”.

“Assim, reconhecida a continuidade de tais delitos, eles não foram atingidos pela anistia objeto da Lei 6.683, de 1979. Entretanto, apesar do decurso do tempo, o Estado Brasileiro ainda não cumpriu as determinações previstas na sentença condenatória do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo certo que ocupou-se tão somente da busca dos restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia”.


Foto: acervo do Instituto Vladimir Herzog

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